Relacionamentos são tão complexos, são duas pessoas com histórias de vida, interpretações, posicionamentos e perspectivas diferentes, tentando fazer com que essa dinâmica improvável funcione e tome um direcionamento singular, conduzindo os dois para o mesmo lugar, mas durante esse rearranjo é normal que surjam os atritos, e o atrito é algo que não temos como fugir, afinal sem a força de atrito não teríamos se quer apoio para ficarmos de pé.
Se o atrito é tão necessário porque fugimos dele com tanta frequência? Alguns vão dizer que é por causa do medo de machucar e ser machucado, outros vão dizer que é medo de reconhecer uma co-dependência no relacionamento, mas eu acho que o grande problema é que o atrito ou faz com que apontemos o dedo para ou outro ou para nós mesmos, e como apontar o dedo para o outro sempre é mais fácil acabamos sempre optando por esta opção, e quando fazemos isso nos afastamos de quem deveria estar perto, nos colocamos num degrau mais alto e começamos a olhar o outro de cima, e quando isso acontece, normalmente o relacionamento está fadado ao fracasso.
Ouvi uma música do Legião Urbana que me fez pensar sobre isso, sobre essa dinâmica, de expressar aquilo que incomoda no outro, mas também de saber se colocar nos sapatos do outros e conseguir enxergar em si mesmo os defeitos que carregamos, que são nossos, mas acabam por afetar o outro, na música acredito eu que ele esteja falando sobre traição, mas acho que tem um significado muito profundo do que uma mulher que traia o companheiro fazendo sexo por telefone, a música ela fala sobre aceitarmos nossa responsabilidade dentro de um relacionamento, cada qual tem seu papel e sua responsabilidade por fazer essa dinâmica maluca funcionar, e quando algo dá errado a culpa sempre é dos dois, não acredito que relacionamento seja co-dependência mas sim uma co-responsabilidade, como ele diz na música "Palavras são erros e os erros são seus, não quero lembrar que eu erro também"... Coloquei abaixo algumas interpretações minha sobre a letra da música:
"Sexo verbal
Não faz meu estilo
Palavras são erros
E os erros são seus… "
Aqui ele está falando sobre sexo ao telefone, como vamos ver mais pra frente nos próximos versos da música, mas eu enxergo isso como palavras, ficar nessa onda de transar com palavras, de agradar com palavras, não faz o estilo do eu lírico, ele prefere ação à palavras, e ao ver que o relacionamento está sendo fundamentado em palavras ele se apressa em apontar o erro da outra parte.
"...Não quero lembrar
Que eu erro também
Um dia pretendo
Tentar descobrir
Porque é mais forte
Quem sabe mentir
Não quero lembrar
Que eu minto também…"
Sendo imperfeito e orgulhoso, ele insiste em não querer lembrar que do mesmo modo que outro erra ele também erra.
Ele diz que pretende descobrir porque é mais forte quem sabe mentir, acredito eu que ele quis dizer que quem mente pro outro, normalmente aparenta ser mais forte, porque quem mente destrói, quem mente machuca... mas ele continua não querendo enxergar que ele machuca também.
"...Eu sei! Eu sei!…"
Mas mesmo com toda essa negação de suas falhas o eu lírico sabe que ele também é falho, e que carrega com si um arsenal de defeitos.
"...Feche a porta do seu quarto
Porque se toca o telefone
Pode ser alguém
Com quem você quer falar
Por horas e horas e horas…"
Como eu falei a letra fala sobre traição, aqui é onde ele fala sobre a traição por telefone que ele presenciava e fingia não ver, fazendo uma analogia, quantas vezes o outro age de maneira que não gostamos e nos calamos pensando estarmos contribuindo para um relacionamento mais saudável quando na verdade estamos alimentando um câncer que vai matar o relacionamento pouco a pouco.
"... A noite acabou
Talvez tenhamos
Que fugir sem você
Mas não, não vá agora
Quero honras e promessas
Lembranças e histórias…"
Aqui nas duas primeiras linhas eu entendo que seja a outra parte falando para o eu lírico que o relacionamento acabou e que ela e o amante tenham que partir sem ele, e nas outras três o eu lírico falando das projeções de futuro que ele tinha sobre o relacionamento, que ele não quer o fim porque ele quer lembranças e histórias, mais uma vez ele nega, como nega seus erros, ele também nega que aquele relacionamento possa ter chegado no seu ponto final.
"...Somos pássaro novo
Longe do ninho
Eu sei! Eu sei!…"
E aqui na última estrofe é a única em que não existe uma negação, aqui ele deixa de transferir a culpa para a outra pessoa e aceita que a responsabilidade é dos dois, o singular dá lugar ao plural, e reconhecer isso pode ser um novo começo, seja no relacionamento atual ou em um relacionamento vindouro.
Acho tão forte quando ele diz - "...Somos pássaro novo, longe do ninho..." - porque é o que somos quando começamos um relacionamento, indefesos e fora de nossa zona de conforto, somos pequenos, não temos bagagem em comum, e é preciso muita humildade pra reconhecer isso e mais do que humildade, muita coragem para crescer, bater asas e sair do ninho.
Essa música hoje me veio como um tapa na cara, pois muitas vezes me vejo procurando os defeitos no outro e negando que eu tenha parte nos fracassos emocionais que tive em meus relacionamentos, os atritos são saudáveis a partir do momentos que ambos reconhecem suas limitações e sua importância para fazer o relacionamento funcionar.