Na madrugada de hoje tive um episódio de insônia, e decidi ver um filme, afinal como já tinha perdido o sono, não queria perder meu tempo na cama virando de um lado para o outro, então resolvi aproveitar o tempo e assistir um filme, e resolvi assistir "Livre" que no título original se chama "Wild", traduzindo para o português Selvagem, e de antemão já digo que o filme é sensacional.
O filme é baseado em um livro de mesmo nome que conta a experiência da autora Cheryl Strayed, que aos 22 anos perdeu sua mãe e após essa perda, ela mesma se perdeu, vivendo um casamento cheio de traições, sexo com estranhos, aborto e o vício em heroína, até que ela resolve se reencontrar e decide fazer uma caminhada cruzando os Estados Unidos, iniciando a trajetória na fronteira com o México e terminando na fronteira com o Canadá. No filme Cheryl é interprentada por Reese Whiterspoon, que já tinha provado que seu talento vai muito além da comédia, no drama Johnny e June, o filme me fez refletir muito, um daqueles filmes que você assiste e quando termina seu espírito está renovado.
Então vamos lá, depois que Cheryl perdeu sua mãe, que era sua referência, seu porto seguro, ela se viu perdida e sem forças e como escrevi no parágrafo anterior se afundou em em um processo de autodestruição, acredito que ela tenha se afundado nesse mundo porque ela era tão emocionalmente dependente da mãe que mesmo aos 22 anos ela não havia criado uma personalidade própria, nunca teve uma relação real consigo mesmo, trocando em miúdos ela não se conhecia, e quando se viu sem seu ponto de referência se viu sem nada, e o sentimento de não ter nada e não ser nada é um dos piores que podemos sentir, mas ela teve a sorte de ter alguém que não desistiu dela, e a resgatou, mas isso não era o suficiente, a gente não pode passar nossa vida toda esperando que alguém venha ou nos salve, não podemos condicionar nossas escolhas, nosso destino à terceiros, precisamos ser donos de nós mesmos e foi nessa busca de ser dona de si própria que Cheryl partiu para essa caminhada cruzando os Estados Unidos, 03 longos meses para se conhecer.
O que Cheryl sabia sobre longas caminhadas? Nada! Mas ela sabia que as vezes para aprender não adianta somente lermos os manuais, é preciso testar na prática, a vida real é assim, tentativa e erro, um passo após o outro e assim foi com ela, e durante a caminhada ela foi experimentando diversos sentimentos e situações que somente uma caminhada como aquela poderia lhe proporcionar, o medo de estar no meio do nada sozinho cercada por possíveis ameaças, as dores que caminhar em média 20 km por dia com um peso surreal nas costas com uma bota apertada pode causar, a necessidade de se livrar do peso desnecessário para continuar, a experiência de conhecer novas pessoas e ver que existem um pouco de maldade pelo caminho, mas uma imensidão de bondade por onde a gente passa e muitas vezes nem notamos, mas acredito que estas coisas não necessariamente precisamos fazer uma caminhada de 03 meses para descobrir, mas somente prestarmos mais atenção no nosso dia a dia.
Mas mais do que todas as experiências e situações que falei, ela teve que enfrentar o maior dos meus medos em particular, a solidão, e eu acho que eu tenho tanto medo da solidão porque sou um pouco como ela, muito dependentes das outras pessoas, e a solidão na minha concepção é o maior desafio que podemos enfrentar porque no fim das contas não podemos fugir de nós mesmos, confesso que depois de assistir o filme comecei a enxergar a solidão de outra maneira, as vezes ela é necessária, para entrarmos em um contato mais profundo conosco, porque na correria do dia a dia acabamos não tendo tempo desse contato mais intimo, enganamos a solidão com as diversas possibilidades que o mundo moderno nos proporciona e escondemos nossos erros e as partes de nós que não gostamos debaixo do tapete e seguimos a vida, e o filme mostra que não adianta seguir por esse caminho, a gente só muda quando tocamos na ferida, quando tiramos a sujeira de baixo do tapete, quando enfrentamos nossos fantasmas.
Mais do que enfrentar, ficou bem claro que existem coisas que temos que aceitar, o que foi feito não pode ser desfeito, não existe uma máquina do tempo para que possamos voltar e mudar o que fizemos, e na verdade não precisamos mudar o que fizemos, porque no final das contas de um modo ou de outro nossas cagadas fazem parte de quem somos, e de novo, não tem como fugir de si próprio, faz parte do nosso eu, precisamos desta solidão para vermos e analisarmos de forma cuidadosa nossa vida, aceitarmos nosso passado, exorcizarmos nossos demônios, e seguir em frente, na caminhada constante os músculos se fortalecem e nosso corpo se adapta para podermos concluirmos a caminhada, mas somente se continuarmos se pararmos a inércia toma conta de nossa vida, então esse é o segredo olhar para si, aceitar quem você é, se perdoar pelo que você possa ter feito e seguir em frente, porque não existe força mais selvagem, indomável e libertadora que o autoconhecimento.
E como ela escreveu no caderno de anotações no início da caminhada, citando Emily Dickinson "Se sua coragem sumir, vá além da coragem" ... resumindo... vá!